Distinção eleva status de carro antigo e dispensa do rodízio e inspeção veicular, mas dá trabalho consegui-la
por Murillo Cerchiari
Fundador The Garage
Para muitos proprietários de carros com mais de 30 anos de fabricação, possuir a placa preta virou sonho de consumo. Ela dá ao veículo o cobiçado selo de “coleção” e valoriza o bem.
Mas entre o sonho e a realidade há obstáculos nem sempre fáceis de superar. A Resolução 56 do Contran, que criou a placa preta em maio de 1998, diz no inciso II do Artigo 1º que o veículo deve “conservar suas características originais de fabricação”, e o rigor na verificação desses itens varia de clube para clube.
A reportagem do Jornal do Carro acompanhou inspeções feitas pelo Fusca Clube do Brasil, fundado há 29 anos e um dos mais rigorosos do País na concessão da placa preta. Para se habilitar à vistoria, o proprietário tem de se tornar sócio do clube (R$ 70,00 o trimestre), além de pagar taxa de R$ 120,00 pelo serviço. A inspeção demora em média 40 minutos. Se aprovado, o automóvel ganha na hora o selo. Pelo Correio, o proprietário recebe o Certificado de Originalidade. Esse documento é entregue ao Detran, que providenciará a alteração da categoria ao automóvel, de “passageiro” (PAS/Automóvel) para “coleção” (COL/Automóvel). Uma nova placa, na cor preta, é emitida.
A vistoria. Munido de um formulário, o vistoriador verifica itens de “mecânica”, “parte elétrica”, “parte externa do veículo” e “interior do veículo”, todos com diversos subitens. A cada um desses subitens são atribuídos pontos, de zero a cinco. Para ser aprovado, o carro tem de somar no mínimo 80 pontos, em 100 possíveis. “O ideal é que o carro esteja o mais próximo possível da originalidade”, afirma o perito Dilson Porta, do Fusca Clube do Brasil. “Por isso a gente acaba fazendo o advogado do diabo: só falamos o que está errado no carro, mesmo ele estando aparentemente bonito.”
E, por originalidade, entenda-se peças originais, e não apenas no padrão original. O arquiteto Érico Pereira de Lima levou para a vistoria seu bem cuidado Fusca 1963 azul Real, com motor 1.200, sistema elétrico de 6 volts, recém-reformado e com impecável interior branco. Para o observador leigo, um carro perfeito. Mas o “advogado do diabo” encontrou diversos itens fora do padrão.
A lista é extensa: tampa de motor não original, galões e borrachas do estribo de cores diferentes do ano de fabricação do veículo, estofamento, laterais e revestimento de teto fora do padrão, pintura de rodas e dos suportes dos para-choques na tonalidade errada, lentes de lanterna de marca não reconhecida, frisos e adornos externos amassados, pomo da alavanca de câmbio e tapetes de outros modelos… Até a falta de um par de rebites na moldura do vidro basculante traseiro esquerdo foi notada.
Todas as “irregularidades” são relacionadas pelo vistoriador, fotografadas e comunicadas oficialmente ao proprietário que, se não desistir da empreitada, tem 90 dias para corrigir os itens e voltar para uma segunda vistoria, sem ter de pagar novamente a taxa. Lima anotou tudo o que precisava mudar em seu Fusca mostrou-se disposto a voltar para nova tentativa.
Melhor sorte teve o lotérico Paulo César Licio. Impecável, seu Fusca 1.300L 1977 bege Alabastro, com 62.119 km registrados no hodômetro, foi aprovado com 93 pontos, um índice considerado excelente. Com interior totalmente preservado, pintura original reluzente, cromados intactos e rodas com data de fabricação gravada, ele só não atingiu a nota máxima porque as lentes das lanternas não eram originais (apesar de estarem no padrão de fábrica) e a manivela de vidro da porta do passageiro ter sido trocada. “É difícil ver um carro em tão boas condições. Dou meus parabéns”, disse o vistoriador Aluizio Lemos, um dos maiores conhecedores de Fuscas do País. “Vou providenciar essas peças, quero chegar nos 100 pontos”, disse Licio, que comprou o carro de um mecânico, por R$ 15 mil. “Tenho o carro há três meses, mas para mim são 10 anos, porque esse foi o tempo que passei tentando convencer o dono anterior a vendê-lo”, brincou.
Itens verificados na vistoria da placa preta
Equipamentos obrigatórios: limpador de para-brisa, freio de estacionamento, roda sobressalente, macaco e chave de roda, extintor de incêndio, triângulo de segurança, funcionamento de luzes (faróis, faroletes de ré, de placas, setas, quando pertinentes)
1. Mecânica (34 pontos)
Motor
- Bloco de motor / coletores: (0 ou 5)*
- Latarias: (5)
- Carburador / filtro de ar: (3)
- Distribuidor / cabos de velas: (0 ou 3)*
Transmissão
- Caixa de câmbio/diferencial: (0 ou 2)*
Suspensão
- Amortecedores / elementos essenciais: (0 ou 2) *
- Rodas: (5)
- Pneumáticos: (4)
- Freios: (5)
2. Parte elétrica (11 pontos)
- Voltagem: (0 ou 4)*
- Instalação elétrica (correção e aspecto): (0 ou 2)*
- Dínamo / alternador: (3)
- Bobina / magneto: (0 ou 2)
3. Parte externa do veículo (33 pontos)
- Carroceria: (5)
- Pintura: (8)
- Cromados, frisos e adornos: (5)
- Para-choques: (5)
- Calotas: (3)
- Faróis e lanternas: (0 ou 5)
- Vidros: (0 ou 2)
4. Interior do veículo (22 pontos)
- Painel: (6)
- Estofamento: (4)
- Laterais de porta / forração de chão: (3)
- Forração de teto: (2)
- Volante: (3)
- Tapetes: (0 ou 2)*
- Maçanetas: (0 ou 2)*
* Não há pontuação intermediária. Ou é nota máxima, ou zero.